Instituto de Estudos sobre o Modernismo

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domingo, 7 de agosto de 2011

Sobre a língua portuguesa - Teresa Rita Lopes


Não foi Pessoa, não senhor, quem disse que a língua é uma pátria. Junqueiro antecipou-se-lhe. E alguns outros o têm afirmado, cada um à sua própria maneira.
A verdade é que há entre as pessoas que falam a mesma língua materna uma funda irmandade que a cor da pele pode parecer desmentir. Ter a mesma língua materna é como ter mamado na mesma teta, é ter crescido para a vida sustentado pelo mesmo leite.
    A língua portuguesa e a cultura que, através dela, se manifesta é o nosso património mais precioso. Só ela nos fará durar para lá do nosso tempo e do nosso espaço. Mas pouco fazemos por isso. E não temos, disso, suficiente consciência.
    É voz corrente que o português anda deprimido com a imagem que as estatísticas da U.E. lhe dão de si próprio.  E uma nação precisa de ter o brio de ser quem é. Não somos bons para criar riqueza, está visto, para criar dinheiro a partir de dinheiro. Entre os reprodutores do capital ficamos sempre a perder. É que somos ainda meio campónios, para nós a criação só é concebível a partir de um ser vivo que se reproduza. Ao campónio que somos eu vou dizer que a nossa língua portuguesa é um cabedal que não cabe em conta bancária nenhuma : é uma galinha com muitos pintos – já que falamos de criação…- esses inúmeros falares a que deu vida pelo mundo fora.
    Além de nos projectar para lá da tacanhez do nosso rectângulo, o contacto praticado com esses diferentes falares pode ter o salutar efeito de rejuvenescer a nossa língua-mãe, menos maleável por ser mais velha. Infelizmente esse nosso contacto limita-se ao consumo de novelas brasileiras, através da televisão. É quase nada mas melhor que nada: podemos assim sentir a “gostosura”  que a nossa língua pode ter quando falada  por brasileiros. É que o português do Brasil é mais criativo, mais moldável pela afectividade que nos caracteriza, a nós e a eles: pegam numa palavra, por mais invariável que a gramática diga que ela é, e acrescentam-lhe um sufixo que a torna mais saborosa. Apesar de abusarmos dos diminutivos, nós não dizemos “nunquinha” para tornar “nunca” mais definitivo, nem “unzinho”, bem mais terno que “só um”, para pedir um beijo ou um abraço…Bem que o Guimarães Rosa soube levar às suas últimas consequências expressivas as potencialidades em que a nossa língua é rica. Também outros escritores africanos de língua portuguesa o fazem hoje em dia, e nós deliciamo-nos com o sabor que a nossa língua tem com esses condimentos.
    Pouco fazemos para cultivar esses contactos enriquecedores. Até os livros pouco ou nada circulam – os nossos, lá e os deles, cá – por razões monetárias : é que a venda dos livros é um negócio , como o de qualquer outro produto, e quando essa circulação não é rentável, não acontece. Teria que haver uma porfiada política cultural para acudir a essa situação.
    Quando descobrimos essas terras , éramos poucos para as povoar. Agora estão povoadas, não somos é capazes de praticar a nossa irmandade. Não basta proclamarmo-nos nações irmãs.
    Temos, por outro lado, de dar aos portugueses de segunda geração espalhados pelo mundo o brio de pertencerem a essa língua-pátria e condições para praticarem a sua cultura. É uma árdua mas importantíssima tarefa.
    A ortografia é um problema menor. Pessoa queria restabelecer a antiga ortografia com base etimológica. Sou inteiramente contra. Uma das razões por que o Francês perde alunos é a tremenda dificuldade que a sua ortografia –etimológica – põe aos aprendizes da sua escrita. A ortografia é sempre uma convenção. Convencionemo-la, pois, da forma mais simples e sensata. Sem pruridos nacionalistas, com tem acontecido
nos nossos tormentosos acordos ortográficos com o Brasil.
Uma coisa é certa: o nosso futuro está nessa grande pátria mestiça que, através da língua, podemos ser. E a mestiçagem é sempre enriquecedora, quer se trate da língua, do sangue ou dos géneros literários.