«A dimensão pluralista da escrita de Fernando Pessoa não se manifesta apenas na criação de uma multiplicidade de personalidades literárias, no desenvolvimento de uma pluralidade de géneros e no cultivo de uma multiplicidade de estilos. O desenvolvimento de um pensamento filosófico na obra de Fernando Pessoa é também expressão da dimensão pluralista da escrita pessoana. É precisamente isso que lemos no seguinte escrito filosófico deste autor:
Milhares de teorias, grotescas, extraordinárias, profundas, sobre o mundo, sobre o homem, sobre todos os problemas que pertencem à metafísica atravessaram o meu espírito. Tive em mim milhares de filosofias das quais – como se fossem reais – nem mesmo duas concordariam. [1]
No espólio de Pessoa encontra-se uma multiplicidade de fragmentos, esquemas e projectos destinados a futuras obras, cujo início se constata, mas que não chegaram a ser concluídas. Nenhum destes esquemas, projectos e fragmentos do espólio filosófico de Pessoa chegou a ser publicado no decurso da vida do autor. Não é sem razão que no poema Tabacaria de Álvaro de Campos se lê: «Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.» Estas palavras, que Pessoa atribui a Álvaro de Campos, caracterizam bem o estado em que se encontra o espólio filosófico de Pessoa: um conjunto diversificado composto por múltiplas filosofias que foram feitas e ainda continuam, em grande parte, mantidas em segredo, a despeito de no espólio existirem mais de mil documentos catalogados sob a designação de filosofia.»
[1] «Thousands of theories, grotesque, extraordinary, profound, on the world, on man, on all problems that pertain to metaphysics have passed through my mind. I have had in me thousands of philosophies not any two of which — as if they were real — agreed.»: AAVV, Pessoa Inédito (organização Teresa Rita Lopes), Lisboa, Livros Horizonte, 1993, p. 402.
[in Nuno Ribeiro, "«Tive em mim milhares de Filosofias» - questões para a edição dos escritos filosóficos inéditos de Fernando Pessoa", Cultura ENTRE Culturas, nº3, p.192]
Nuno Ribeiro é graduado em Filosofia pela Universidade Nova de Lisboa e também autor do livro Fernando Pessoa e Nietzsche: O pensamento da pluralidade. Publicou já inúmeros artigos sobre o espólio filosófico de Pessoa, tema central da sua pesquisa, com inéditos pessoanos. Actualmente, prepara a edição dos textos filosóficos de Fernando Pessoa, no âmbito da sua tese de doutoramento. É membro do Instituto de Estudos sobre o Modernismo.
"Neste livro pensam-se com e a partir de Fernando Pessoa alguns dos temas com ele comungados: a experiência da vida como teatro heteronímico; a ficcional (im)possibilidade do(s) eu(s) e do mundo como i-lusão ou jogo criador; o vislumbre do entre-ser, isso que (não) há entre uma coisa e outra, consoante a revista Cultura ENTRE Culturas; estados não conceptuais nem intencionais de consciência; os sentidos múltiplos de Portugal, Lusofonia e Quinto Império, na linha de Uma Visão Armilar do Mundo. Pessoa redescoberto pela filosofia, também em diálogo com António Machado, Jorge Luis Borges e Emil Cioran" - Paulo Borges
O livro será apresentado pelo ensaísta e romancista Miguel Real.
O livro será apresentado pelo ensaísta e romancista Miguel Real.
O LIVRO CONTES, FABLES ET AUTRES FICTIONS
O livro Contes, Fables et Autres Fictions, de Fernando Pessoa, foi recentemente publicado, em Paris, pela editora La Différence. Trata-se de uma colectânea de contos deste autor, editados e prefaciados por Teresa Rita Lopes e traduzidos do português por Parcídio Gonçalves. Houve, de igual modo, uma pontual colaboração minha, convite que aproveito para agradecer publicamente. [1]Esta obra vem dar a conhecer ao público francês, mas não só, um conjunto de contos de Pessoa, representativos, pela variedade das temáticas, das várias vertentes da sua obra de ficcionista. Atingem-se deste modo dois objectivos: a divulgação além fronteiras da prosa ficcional e a junção, no mesmo local, de narrativas até aqui dispersas e que ganham novos sentidos e coerência, para os leitores, quando lidas lado a lado. É de notar que esta edição veio continuar o trabalho iniciado com a publicação, na mesma editora, do conto iniciático «Le Pèlerin», em 2010[2].A produção literária do poeta da heteronímia caracteriza-se pelo excesso, como se o desejo a comandar toda a obra fosse a construção de uma literatura inteira. A prosa ficcional é um labirinto de projectos, muitos deles fragmentados e inacabados, mas quase sempre de inegável interesse. Contos, novelas e até duas tentativas de romance (Reacção e Marcos Alves) dão prova de que a escrita da prosa ficcional acompanhou a escrita poética e os numerosos esquemas em que organizava essa prosa comprovam o seu desejo de a publicar. Pouco publicou em vida. Cabe agora aos seus editores a tarefa. A obra Contes, fables et autres fictions reúne contos já editados, como «A Carta da Corcunda ao Serralheiro», e «Conselhos às mal casadas», por exemplo, e contos inéditos, como «O Gramofone», «Alegações Finais», e «O Eremita da Serra Negra», num total de 21, divididos por seis grupos: Paradoxes, Fables, Horreur et mistère, Compassion, Lettres sans destinataires e Conseils. Esta organização reflecte a própria divisão por temas da prosa ficcional de Pessoa, faltando somente a ficção policial e as histórias fantásticas e de aventuras. Paradoxes, título de um primeiro capítulo, reúne aquelas narrativas em que um conceito paradoxal é defendido, através de um discurso de uma lógica irrepreensível, para além dos limites que consideraríamos razoáveis. Encontramos aqui os contos «Maridos», o caso da mulher que matou o marido para estar de bem com a sua consciência e com a igreja, o conto «Alegações Finais», onde um homem defende em tribunal os altos princípios sociológicos em que fundamenta a sua vadiagem consciente e a sua filosofia da vida, o conto «Uma Carta da Argentina», ou a análise de alma do homem que matou a mulher como quem rasga a camisa e que vai morrer como quem tira o colarinho, e o conto «Memórias de um Ladrão», que defende o roubo como uma das belas artes. As fábulas do capítulo seguinte, pequenos contos com uma moral final inesperada, reúnem «A Rosa de Seda» e «A Origem do Conto do Vigário», textos publicados em vida do seu autor. Nesta secção há ainda «O Papagaio», história de um homem espezinhado pela mulher e pela filha desta e que tudo atura até ao dia em que lhe venderam a papagaio e por isso vai buscar a espingarda (moral: “Nações imperiais e dominadoras, expansivas, cuidado sempre com o papagaio!”). Na secção de horror e mistério encontramos «Um Jantar Muito Original», «O Desconhecido» e «No Jardim de Epitecto», narrativas já editadas, mas pouco conhecidas ainda. «Maria José» e «O Gramofone», histórias de doença e miséria humana surgem a seguir, sob o título geral Compassion. Pessoa apreciava o formato epistolar para algumas das suas ficções e essas cartas sem destinatário estão coligidas numa secção da obra. Conseils, o grupo de narrativas onde um Mestre transmite conselhos ou regras de vida, apresenta, entre outros, o texto inédito «O Eremita da Serra Negra», onde encontramos a grande regra, tão difícil de acatar: «Vive tu a tua vida”, disse; “não sejas vivido por ela».A riqueza da prosa pessoana fica bem documentada nesta edição organizada e prefaciada pela professora Teresa Rita Lopes, a quem temos de agradecer o já longo trabalho de divulgação da obra de Fernando Pessoa. Ana Maria Freitas
[1]Foram decifrados por mim os contos «Maridos», «Alegações Finais», «Memórias de um Ladrão», «O Papagaio», «O Gramofone» e «O Eremita da Serra Negra», incluídos neste livro.
[2] Fernando Pessoa, Le Pèlerin (2010). Edição de Ana Maria Feitas e Teresa Rita Lopes, prefácio de Teresa Rita Lopes, tradução de Parcídio Gonçalves. Paris: La Différence
[1]Foram decifrados por mim os contos «Maridos», «Alegações Finais», «Memórias de um Ladrão», «O Papagaio», «O Gramofone» e «O Eremita da Serra Negra», incluídos neste livro.
[2] Fernando Pessoa, Le Pèlerin (2010). Edição de Ana Maria Feitas e Teresa Rita Lopes, prefácio de Teresa Rita Lopes, tradução de Parcídio Gonçalves. Paris: La Différence
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Pessoa em edição francesa
Acaba de ser lançado na renomada editora francesa La Différence, o livro Contes, Fables et autres fictions uma edição de Teresa Rita Lopes. Neste livro o leitor poderá ter acesso a contos inéditos de Fernando Pessoa, como é o caso do "Eremita da Serra Negra", entre outros. Esse trabalho é fruto da pesquisa no espólio da Professora Teresa Rita Lopes. Vale a pena conferir
Quarta-feira, 13 de Julho de 2011
Pessoa e a Filosofia - novas edições
A Verbo, uma importante colecção de obras de filósofos portugueses, acaba de ser relançada com os livros de ensaístas e investigadores portugueses. No primeiro livro da colecção, Teatro da Vacuidade ou impossibilidade de ser eu - estudos e ensaios pessoanos, o filósofo e ensaista Paulo Borges, apresenta uma série de reflexões profundas e complexas sobre a obra de Fernando Pessoa. O Professor Paulo Borges além de filósofo e ensaísta é também investigador do espólio pessoano. Apresentou recentemente, na Casa Fernando Pessoa, um conto inédito do espólio do autor português. O segundo é Fernando Pessoa e Nietzsche: O pensamento da pluralidade da autoria de Nuno Ribeiro. Neste livro, o ensaísta português apresenta ao público as possíveis conexões entre o pensamento e a escrita de Pessoa e Nietzsche, revelando importantes e inéditos aspectos do espólio pessoano. Nuno Ribeiro, graduado em filosofia pela Universidade Nova de Lisboa (premiado com a bolsa de mérito desta Universidade no ano de 2005) vem investigando ao longo de anos o espólio filosófico de Fernando Pessoa e prepara a tão esperada edição dos Textos Filosóficos de Fernando Pessoa. Ambos os livros são acompanhados de imagens do espólio de Fernando Pessoa e proporcionam ao público uma análise filosófica da obra de Fernando Pessoa e das múltiplas relações que existem entre o pensamento pessoano e as mais diversas problemáticas filosóficas.